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Universidade Federal do Oeste do Pará

Ultima atualização em 24 de Setembro de 2018 às 10:33

É tempo de Festa em Alter do Chão!


Entrevista com a antropóloga Luciana Carvalho

Entre os ritos religiosos e o festival dos botos, manifestações culturais envolvem moradores e visitantes da vila balneária de Alter do Chão neste fim de semana. É a festa do Çairé, ou Sairé, que, independentemente da grafia, representa um momento forte de identificação da comunidade.

Alter do Chão é um distrito administrativo de Santarém, no Pará, localizado à margem direita do rio Tapajós, distante cerca de 37 quilômetros da sede do município.

A festa atrai não só turistas e brincantes, mas também a comunidade acadêmica, que a olha como objeto de estudo, gerando diversas pesquisas. É o caso do trabalho coordenado pela professora Luciana Carvalho, antropóloga, do programa de Antropologia e Arqueologia (PAA) da Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa).

No livro Festa do Sairé de Alter do Chão, obra em parceria entre a Ufopa, pelo Programa de Extensão Patrimônio Cultural na Amazônia (Pepca), o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e a comunidade local, os resultados apontam elementos importantes para o conhecimento cultural a partir das manifestações na festa.

Em uma breve entrevista à equipe de comunicação da Ufopa, professora Luciana aponta elementos presentes na obra.

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Profa. Luciana Carvalho

 

Comunica Ufopa: A partir das pesquisas, como podemos definir o que é o Sairé?
Profa. Luciana: O Sairé é uma celebração, atualmente realizada em louvor ao Divino Espírito Santo, no distrito de Alter do Chão, Santarém, PA. Essa celebração, registrada por cronistas e missionários desde o século XVII, já foi realizada no Amapá, no Amazonas e em outras localidades do Pará, mas só em Alter do Chão resistiu até hoje.

Comunica Ufopa: Qual a importância dessa manifestação para a cultura local?
Profa. Luciana: A celebração do Sairé reúne uma variedade de expressões culturais locais (rezas, música, dança e práticas de comensalidade e solidariedade), algumas bastante antigas, que remetem à tradição, à fé e à identidade da população regional. Pela sua antiguidade e pela riqueza do repertório cultural que condensa, a festa do Sairé constitui o patrimônio cultural da região, e, como tal, merece ser apoiada em sua continuidade.

Comunica Ufopa: E sobre a grafia: Sairé ou Çairé? Tem alguma explicação?
Profa. Luciana: Ambos os registros são encontrados em diversas obras de autores renomados. As duas grafias têm convivido tanto em meios acadêmicos quanto populares. Porém, a cada ano, na época da festa, sobrevém a discussão sobre a forma gráfica correta. Não há solução para essa questão, que é mais política que linguística, a meu ver. Para os defensores da forma Sairé, esta seria mais adequada à língua portuguesa, que não admite palavra iniciada com Ç. Para os que preferem Çairé, essa grafia respeitaria a origem indígena da festa. Enfim, meu argumento é que o cedilha nesse caso funciona como um duplo diacrítico: tanto linguístico quanto identitário.

Comunica Ufopa: Professora, quais as impressões da pesquisa quanto ao festival dos botos?

Profa. Luciana: O festival dos botos foi inserido na programação festiva na década de 1990, da mesma forma que outras expressões culturais (músicas, danças, ladainhas) foram agregadas à festa nos anos 1970, quando da "retomada da festa". Essa "retomada", após três décadas de ruptura entre a celebração e a igreja, correspondeu a iniciativas da população local para não só reativar os vínculos com as práticas religiosas católicas, mas também para incrementar atrações culturais em Alter do Chão a fim de movimentar o crescente mercado turístico na vila. Desse modo, a "retomada" abre caminho para reformulações da festa do Sairé, recriando-a continuamente. Nesse processo aparecem os botos, cujo festival adquire projeção tão grande quanto a própria festa tradicional. Mudam-se datas, espaços e modos de festejar. Isso não se faz sem tensões entre diferentes perspectivas sobre a celebração. Uma das formas de expressão dessas tensões é o acirramento da oposição entre sagrado e profano. Mas, na prática, o que a igreja repeliu como profano nos anos 1940 passou a ser associado ao sagrado após a retomada. Ou seja, sagrado e profano correspondem mais a uma relação entre coisas diferentes do que a diferenças essenciais das supostas coisas.

Alguns, hoje, são críticos da associação entre o festival dos botos (assim como os shows musicais) e a festa do Sairé, e chegam a propor sua realização em datas diferentes. Porém, na época de realização das pesquisas do inventário, essa posição não chegava a ser majoritária entre os próprios festeiros, e tudo indica que ambas as expressões culturais ainda vão conviver associadas por mais tempo.

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Comunica/Ufopa

21/9/2018

Foto: Ronaldo Ferreira/PMS

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